Sessenta
anos após a morte de Mohandas Karamchand Gandhi (02-10-1861/30-1-1948), vale a
pena aproveitar esta oportunidade para realçar a necessidade de “desconstruir”
os mitos (os heróis são de carne e osso e estão pejados de paradoxos e
ambiguidades) criados ao sabor dos interesses de determinados grupos e/ou
actores: sem pôr em causa a defesa de que Ghandi é um dos pais do princípio da
não-violência e do Pacifismo [embora eu defenda que existe uma confusão/distorção
conceptual na equiparação entre a desobediência civil defendida e praticada por
Ghandi – poucos sabem, ou ignoram propositadamente, que Ghandi, a seguir à
independência, criou milícias armadas para “proteger” o novel Estado – e a
corrente extremista do Pacifismo pois a primeira implica não só a utilização da
violência necessária para resistir à
opressão como também uma organização proactiva e rebelde visando atingir à emancipação
ao contrário do Pacifismo radical que defende uma postura passiva dos
pacifistas, ou seja, a não utilização da violência em nenhuma situação], é
preciso reconhecer, sem dramas, que o racismo – enquanto herança cultural do colonialismo
britânico na Ásia e em África, mais particularmente na África do Sul onde
Gandhi trabalhou - está bem presente no pensamento dele. Os exemplos são
diversos: a 7 de Março de 1908, Gandhi opinou no jornal Opinião Indiana acerca do tempo que passou numa prisão sul-africana
da seguinte maneira: “Os cafres [negros.
É de realçar, contudo, que a palavra kaffir
tinha uma conotação diferente, mais neutral, no tempo de Gandhi em relação
ao seu significado actual onde é considerado ofensivo] são, em regra incivilizados – os condenados são-no ainda mais. Eles são
problemáticos, muito sujos e vivem quase como animais” (Ghandi, 1960-1994: 199).
Sobre o tema da imigração, em 1903, Gandhi diz: “Acreditamos na pureza da raça tal como nós
pensamos que eles acreditam...acreditamos também que a raça branca na África do
Sul deve ser a raça predominante” (idem: 255). Gandhi protestou
repetidamente contra a equiparação da classificação social dos negros com a dos
indianos na África do Sul e descreveu os indianos como “sem dúvida, infinitamente superior aos cafres” (idem: 270).
E não abro
mais o véu indiano para não transformar pacifistas gandhianos em belicistas com
um único alvo…
Fontes:
-The Collected Works of Mahatma
Gandhi, Vol. 3 e 8. Publications Division, Ministry of
Information & Broadcasting, Government of India. New Delhi: India. 1960/1994/1998.
-Carroll, Rory (2003), “Gandhi
branded racist as Johannesburg honours freedom fighter”. Disponível em: http://www.theguardian.com/world/2003/oct/17/southafrica.india (acesso a
30 de Janeiro de 2014).