Thursday, January 30, 2014

O Ghandi Racista


Sessenta anos após a morte de Mohandas Karamchand Gandhi (02-10-1861/30-1-1948), vale a pena aproveitar esta oportunidade para realçar a necessidade de “desconstruir” os mitos (os heróis são de carne e osso e estão pejados de paradoxos e ambiguidades) criados ao sabor dos interesses de determinados grupos e/ou actores: sem pôr em causa a defesa de que Ghandi é um dos pais do princípio da não-violência e do Pacifismo [embora eu defenda que existe uma confusão/distorção conceptual na equiparação entre a desobediência civil defendida e praticada por Ghandi – poucos sabem, ou ignoram propositadamente, que Ghandi, a seguir à independência, criou milícias armadas para “proteger” o novel Estado – e a corrente extremista do Pacifismo pois a primeira implica não só a utilização da violência necessária para resistir à opressão como também uma organização proactiva e rebelde visando atingir à emancipação ao contrário do Pacifismo radical que defende uma postura passiva dos pacifistas, ou seja, a não utilização da violência em nenhuma situação], é preciso reconhecer, sem dramas, que o racismo – enquanto herança cultural do colonialismo britânico na Ásia e em África, mais particularmente na África do Sul onde Gandhi trabalhou - está bem presente no pensamento dele. Os exemplos são diversos: a 7 de Março de 1908, Gandhi opinou no jornal Opinião Indiana acerca do tempo que passou numa prisão sul-africana da seguinte maneira: “Os cafres [negros. É de realçar, contudo, que a palavra kaffir tinha uma conotação diferente, mais neutral, no tempo de Gandhi em relação ao seu significado actual onde é considerado ofensivo] são, em regra incivilizados – os condenados são-no ainda mais. Eles são problemáticos, muito sujos e vivem quase como animais” (Ghandi, 1960-1994: 199). Sobre o tema da imigração, em 1903, Gandhi diz: “Acreditamos na pureza da raça tal como nós pensamos que eles acreditam...acreditamos também que a raça branca na África do Sul deve ser a raça predominante” (idem: 255). Gandhi protestou repetidamente contra a equiparação da classificação social dos negros com a dos indianos na África do Sul e descreveu os indianos como “sem dúvida, infinitamente superior aos cafres” (idem: 270).
E não abro mais o véu indiano para não transformar pacifistas gandhianos em belicistas com um único alvo…
Fontes: 
-The Collected Works of Mahatma Gandhi, Vol. 3 e 8. Publications Division, Ministry of Information & Broadcasting, Government of India. New Delhi: India. 1960/1994/1998.
-Carroll, Rory (2003), “Gandhi branded racist as Johannesburg honours freedom fighter”. Disponível em: http://www.theguardian.com/world/2003/oct/17/southafrica.india (acesso a 30 de Janeiro de 2014).

1 comment:

nelma barbosa said...

Pois é...ídolos de carne e osso! Muito boa lembrança! Como humanos, podemos viver em busca da perfeição, mas esse ideal de perfeição muda de acordo com a época e as mentalidades.